segunda-feira, 24 de novembro de 2008

RUBI, RUBI, RUBI...


ciúme? “que absurdo!” todas estão doidas por ti, por isso eu digo que eu não.
conheces o meu António?
e ela disse que sim.
e se eu lhe arrancasse os olhos?
um dia, vieste coberto de carmim. de carmim, António? pelo amor de Deus!
que foste à Lua. que ela estava redonda e chamativa...

gorda que ela estava. burra desculpa, António!
que te apetecia vê-la lá fora.
a orquídea morreu. e expulsei-te.

devorei o ferro da jaula. ferro ferido, ferro que fere. aguarda um segundo...

eu amo-te, Rubi.

já te digo.

ponho um batôn e digo-te que vou para a rua. tenho que sair, tenho que respirar. ponho uma saia curtíssima de couro vermelho e um corpete rendado da mesma cor que estufa-me os seios. ponho uns saltos agulha, altíssimos, de cor preta.
tudo isso assim.

olhas-me assim porquê? não posso estar aqui.
escondo-me atrás de escamas, pêlo e pele. para que não me agridas com o teu amor.
não é culpa minha. não posso estar aqui a olhar para ti. não conheço outras regras, agora.

em que é que te transformaste?

eu não posso estar aqui. vou ver o Sol.

à noite?

pelo menos deito-me com ele longe dos teus olhos.

transformo-me. voo. vou. crio asas.

és uma ave de rapina, um abutre, um réptil. isso tudo, és tu. não sou eu.

tentas falar-me. afasta-te!
já te digo.
e te digo que tenho que sobreviver, que tenho que sobreviver, que tenho que sobreviver… vou para a rua...
tenho que te matar para sobreviver…

vi-te assim, nesse dia. o meu carrasco, António, porque vieste coberto de carmim.
entendes os ilimites em que vivíamos? eu não poderia permanecer.
entendes?

em que é que te transformaste?

estás a ver como é escandalosa essa transformação?
agora sou um monstro porque borro os lábios com batôn rubro e as lágrimas misturam-se com o rímel, rumando numa descida permanente até os seios estufados, palpitantes. estás a ver como é escandalosa essa transformação? agora sou um monstro?
e tu, que trazes esse carmim fétido?

olhas para mim.

olho-te obstinada através do espelho. o olhar sádico. insolente. doente. frio.
ausente.

eu não sou um monstro. vou mostrar-te o que faz um monstro.

em que é que te transformaste?

não me perguntes mais.

em que é que te transformaste?

olha para mim. avança-me vidas.
pareces uma puta.

olhei-te nos olhos e sorri com a boca exageradamente vermelha.
por um motivo vingativo e sádico qualquer, vindo do mais primitivo e genuíno do meu ser, tive um prazer orgâsmico em ouvir aquilo de ti. era isso que eu queria ser, António da minha vida. eu pretendia, perversa, matar-te. para que sofresses o que faz um monstro. para que experimentasses o que dói o carmim…


[In "Loucuras de Rubi"]


Imagem: gettyimages.com