segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

TRECHOS DE "RUBI"

aqui vai pessoal! mais um trecho de "RUBI".
a ver vamos no que isso tudo vai dar (a história e a minha mania de escrevinhar). até eu estou ansiosa, porque nem eu sei o final (da história e da minha mania de escrevinhar)... risos...
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"(...)

tenho a consciência de que fui intolerável, perversa, lancinante… não que não merecesses, que fique isso bem claro. no entanto, conhecíamo-nos muito bem. demasiado até. e sempre tivemos a mania de sondar os impulsos íntimos e agudos de cada um, com a obsessão de um entomólogo psicopata. isso fazia de nós cúmplices.
certa vez – como nalgumas muitas –, tivemos uma discussão. fomos ambos cínicos um para o outro. uma guerra-fria. havia uma excessiva necessidade de ambos em tentar cilindrar o outro. eu, porque no íntimo, sabia que se não adoptasse uma atitude um tanto agressiva para contigo, dominar-me-ias e isso era (é) uma hipótese que nunca consentiria. tu, talvez, porque não querias que eu pensasse que te pudesse, alguma vez, dominar. mas nunca foi essa a minha intenção. oh, nunca almejei essa presunção. pelo menos, não conscientemente.
- sapo. tu és um sapo, antónio! – tinha-te gritado no fim. ficaste a olhar para mim perplexo.
diz-me, quando é que nos enveredamos para essa situação? qual foi o ponto focal que nos fez decidir, sem que nos déssemos conta, que teríamos que viver assim? foi o princípio do nosso descalabro. ou tinha sido antes? por essa altura já te tinha deixado ir?
essas questões sem resposta, martirizaram (-nos) durante um período suficientemente duro - até hoje, agora mesmo, me ganharam um novo estatuto. nunca tive brio para te perguntar. tu talvez não me respondesses. talvez porque tu também não mo saberias responder. poderias responder-me, agora? saberás, agora...? não me interessam brios já.
depois da discussão, tinhas ficado em silêncio. um silêncio espinhoso, duro, palpável. sentia-o como um açoite. queria defender-me, percebes? por isso a encrispação gradual do meu silêncio... sim, é verdade, o teu silêncio também tinha o seu efeito sobre mim.
perturbada e irritada, perguntei-te quando me vi a beira de um precipício emocional:
- o que é que se passa? podes dizer-me?
e, demasiado caprichosa, trunquei a pergunta com um tom arrogante e irritantemente calmo. tinha que disfarçar o destempero que me provocaste, era só isso.
tinha sido o suficiente para que, durante uma semana, os nossos diálogos fossem de uma enorme e propositada superficialidade. falamos sobre a política, o tempo... assuntos inofensivos... depois daí, quando os assuntos inofensivos esgotaram-se, passamos uma semana inteira sem nos falar. no fim da última, telefonaste-me a dizer qualquer coisa infinitamente importante sobre a política e outra que urgia uma resolução para ontem. conversas pretensamente importantes mas tão substanciais como um pudim de ameixa murcha.
a seguir ao "pudim", perguntaste-me:
- tudo bem contigo?
- tudo. obrigada.
- não nos temos falado. tenho estado bastante atarefado...
- também eu. – disse-te meio rude. era para te situar.
- desculpas...
silêncio.
desculpas porquê? somos ambos demasiado egoístas é so isso. estamos quites.
- entre nós não há espaço para isso.
tinhas entendido.
- ver-nos-emos um dia destes.
eu não soube se era uma pergunta ou uma afirmação. perguntar-te arranhava-me o prumo.
- quem sabe. – eu, a modos de enfado.
- bem... até um dia destes.
- até.

um dia destes.
nunca falavamos sobre as nossas desavenças. percebeste? passávamos por cima delas. reconciliávamo-nos porque um de nós resolvia pôr o orgulho de lado (como podia permitir o nosso temperamento) e dar o primeiro passo. na verdade, os assuntos centrais das nossas discussões muitas vezes perdiam o sentido perante a tensão prepotente e orgulhosa que ambos assumíamos. o assunto primordial das nossas brigas passava a ser a questão do brio.
depois de degladiarmo-nos naquele silêncio, fazíamos as pazes sem mais nem quê, como dois loucos. levava-te constantemente a um precipício e não te deixava cair. era a sensação que tinha(s). tu também fazías-me esse jogo... no principio tinha sido divertido. excitante. depois, perigoso e exigente. tudo ou nada. tinha-se tornado um vicio. era demasiado. era perigoso.
ouve, tenho que te dizer isso em jeito de declamação... se de vez em quando te parecia que te tratava com indiferença e que nas minhas palavras existiam algo de infame, tenta imaginar a enormidade da minha dor, tenta perceber que aquele padecimento não tinha palavras, que era a privação de ti/de mim que me instigava a continuar a falar-te daquela forma, penosamente fria, desalmadamente minha...
mas, confesso-te, eu nunca fui páreo para ti.

(...)"

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mais uma passagem de "RUBI". estou a terminar o 10.º capítulo. mais uma história para os meus arquivos pessoais. no dia em que me encher de coragem suficiente, quem sabe não os darei a ler a alguns quantos.
ainda vou a tempo de dizer "ÓPTIMO 2008 PARA TODOS NÓS?!"