segunda-feira, 19 de outubro de 2009

TANGO



Pequeno, vou falar-te de uma coisa que me causou remorsos e que esqueci. só porque sim. deve querer dizer que vai ser curto...

dance o meu tango, pequeno,
aquece-me a volúpia desenfreada,
que é por ti que palpita a doçura da Fénix
seu amor, sua loucura, seu lamento, sua morte até.

dance o meu tango, pequeno.

clausura de amor-eterno, ofereço-te,
neste enlace de samambaia fresca
pequena loucura de mulher que renasce.

dance,
que este amor é só hoje eterno.
amanha será despedida.

o meu tango, pequeno, é o meu sinal,
minha e tua faca de dois gumes.

pequeno de coração ligeiro,
essa armadilha é o que te ofereço.

e adeus. que eu morro num amanhã mais tarde.
não chores. nem me sigas. é ardil...

dance o meu tango. com o coraçaozinho em pedra, que é só um tango.


[THE TANGO, Poema de Vivianne]



e dizias-me tu: gosto de ti.
e eu a não querer aceitar esse amor.
dizias-me tu que querias casar comigo.
e eu a rir e a dizer-te que nos dias de hoje, já não se casa, já não se lembra disso.
eras tu a dizeres-me que deste por ti a amar-me.
e era eu a rir e a não saber o que fazer ao teu sentimento.
eras tu com voz doce a enrolar os meus cabelos nos teus dedos como só uma criança faria.
e era eu a ficar sem jeito… ou a não saber o que fazer ao teu carinho.
e era a tua mão na minha
e era eu a dizer-te que não era bem assim, a dizer-te que não, que não fosses por aí.
e eras tu, a esmiuçares as palavras para que eu pudesse ver a vida pelos teus olhos.
tu, homem crente. que acreditaste por nós dois. que falavas dos teus sonhos sem timidez. que colocavas nas palavras tanta fé, tanta convicção, que até me sentia a filha do Diabo.
mas disse-te que não.
e mantiveste-te aí.
- que faço contigo, Rubi?
- abandona-me, pequeno.
mas permaneceste a falar-me em conversas de madrugadas, do que sentias, do que pensavas...
e eras tu a roubar o meu beijo.
e era eu a dizer-te outra vez que não, porque em breve já não estaria aí.
mas permaneceste.

… em jeito de acordo, três semanas. como se fossem as últimas. e eram…
tínhamos os teus sonhos, um pouco dos meus e as nossas asas: tuas sonhadoras, minhas, fugitivas.
e tive que ir embora.
fim do acordo.

só queria que seguisses a tua vida, que não esperasses por mim. não te quero como destroço de nós.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

MAIS RUBI... Um Encontro... Queres um Martini?



(...)
- parece que agora temo-nos visto muito… – ele disse entregando-lhe um Martini.
Rubi sorriu com frialdade.
- parece, não é?
havia um espelho naquele lado que dava a ilusão de que se podia ir mais além, que a biblioteca era ainda maior. ao fundo dava uma sensação de infinito. era fantástico e ao mesmo tempo angustiante. hipnotizante. dava medo…
- vejo que nunca perdes o toque de mestre. – Rubi, com fingida indiferença, folhou um livro sobre uma mesa alta, de forma quadrada. – sempre te deste bem a criar ilusões.
ele fez um sorriso cínico com prazer.
- faço o que posso.
- eu sei. – fitaram-se trocando significados e depois, Rubi sorriu com desprezo. – não sei porque é que te incomodas tanto, António. tu, sozinho, já és suficientemente ilusório. – olhava-o directamente para os olhos. – bastante, até dizer chega, na verdade...
- isso é um elogio?
- é um facto. – respondeu categórica.
- nunca me esquecerei do quanto a tua espada é letal... mas lembro-me também de que tinhas um lado sensível.
- ainda sou assim. – Rubi sorriu. – acredito que devo tentar pensar que as pessoas são basicamente decentes.
- sim? – ele riu-se em tom de deboche. – e como é que suportas a desilusão?
um autêntico hipócrita. Rubi teve ímpetos de desatar a chorar. apertou o livro e manteve o prumo, reprimindo a estranha onda de amargura. António era um ser humano. deveria saber que certas feridas não se curam totalmente. uma dor profunda não diminui e a pena permanece enterrada num lugar onde não pode ser alcançada nem por palavras nem por actos. quase inofensiva, corroendo minúsculos pedaços, simplesmente permanece.
- bem. pratiquei bastante. – respondeu enfadada.
recordou uma vez, entre uma conversa e outra, ele lhe ter dito que, quando perdemos o pé, quando já nada nos faz sentido, quando a nossa volta tudo se desfaz, temos que traçar um objectivo. um, daqueles quase impossíveis para nos preencher a mente e não pensarmos em coisas que nunca nos levam a lugar algum. com o tempo Rubi aprendeu que o mundo tem outros sentidos, que a vida quer dizer coisas que, num momento presente não sabemos. com o tempo aprendeu isso. e compreendia tudo isso. tinha ficado, no entanto, aquele susto que a corroía, a desnorteava e confundia. tinha sido um cume. curto. pontiagudo. breve.
naquele momento, ali, naquela biblioteca, parecia uma outra vida. onde tinha ido parar tudo? aquele sentimento quase insano? quase? tinham atingido a raia de tudo e, ébrios, descambaram para um precipício egoisticamente.
sorriu para despistar o olhar perscrutador.
- não sabia que gostavas de Paulo Coelho. – disse com uma férrea determinação em não se deixar abater.
- não sabes muita coisa.
- é um escritor alquimista e tu não és dado a fantasias...
- gosto de ter ainda algumas... a minha maneira – ele disse sem expressão.
Rubi olhou-o nos olhos. pareceu-lhe vê-lo sorrir.
- sim? e como suportas a desilusão? – inquiriu cinicamente, imitando-o.
- bastante bem. como tu própria disseste, sempre me dei bem em iludir as pessoas. quem sabe, não é?
ele tinha-se tornado num homem cruel. dadas as circunstâncias, era normal ter-se dado aquela transformação nele. por um bom tempo ela também tinha sido cruel. tinha desistido depois. muito depois. tinha que sobreviver. no entanto, agora, aquela resposta magoara-a e a sua boca curvou-se num sorriso de troça. era uma reacção estúpida, talvez uma compensação, uma forma de tentar equilibrar a tristeza. não encontrou palavras para rebater e apenas dedicou-lhe um rápido olhar.
- penso que o mais sensato é iludirmo-nos com aquilo que podemos. os sonhos não têm consistência, Rubi, sempre te disse isso.
- sim. – levantou os olhos para ele, sustentando um doloroso sorriso. – já me tinha apercebido disso. pena que não te dei ouvidos como devia… – interrompeu-se.
- ainda te magoa? – ele perguntou depois de um silêncio reverenciador.
Rubi soltou uma curta gargalhada.
- imagina. durante o período que estivemos juntos, tive tempo suficiente para me adaptar.
- ainda te magoa. – ele afirmou
- pensei fazer-te a mesma pergunta.
- não é uma pergunta.
Rubi achava dispensável digladiarem-se daquela maneira. tinham havido feridas demasiadas. bastavam. sentiu as lágrimas arderem-lhe nos olhos. não havia necessidade de serem tão cinicamente rudes. abaixou os olhos e deu-lhe as costas, com o pretexto de colocar o livro no lugar e, sob a desculpa de se ter interessado por mais alguns, deixou-se ficar um pouco. sentiu quando ele se afastou.
- queres outro Martini?
- não, obrigada. – virou-se e apanhou as chaves do carro que tinha deixado sobre a mesa. – tenho que ir embora. – disse. – o meu marido espera-me.
e saiu. quase a correr.
(...)


Fonte Fotografia: gettyimages.com

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

RUBI, RUBI, RUBI...


ciúme? “que absurdo!” todas estão doidas por ti, por isso eu digo que eu não.
conheces o meu António?
e ela disse que sim.
e se eu lhe arrancasse os olhos?
um dia, vieste coberto de carmim. de carmim, António? pelo amor de Deus!
que foste à Lua. que ela estava redonda e chamativa...

gorda que ela estava. burra desculpa, António!
que te apetecia vê-la lá fora.
a orquídea morreu. e expulsei-te.

devorei o ferro da jaula. ferro ferido, ferro que fere. aguarda um segundo...

eu amo-te, Rubi.

já te digo.

ponho um batôn e digo-te que vou para a rua. tenho que sair, tenho que respirar. ponho uma saia curtíssima de couro vermelho e um corpete rendado da mesma cor que estufa-me os seios. ponho uns saltos agulha, altíssimos, de cor preta.
tudo isso assim.

olhas-me assim porquê? não posso estar aqui.
escondo-me atrás de escamas, pêlo e pele. para que não me agridas com o teu amor.
não é culpa minha. não posso estar aqui a olhar para ti. não conheço outras regras, agora.

em que é que te transformaste?

eu não posso estar aqui. vou ver o Sol.

à noite?

pelo menos deito-me com ele longe dos teus olhos.

transformo-me. voo. vou. crio asas.

és uma ave de rapina, um abutre, um réptil. isso tudo, és tu. não sou eu.

tentas falar-me. afasta-te!
já te digo.
e te digo que tenho que sobreviver, que tenho que sobreviver, que tenho que sobreviver… vou para a rua...
tenho que te matar para sobreviver…

vi-te assim, nesse dia. o meu carrasco, António, porque vieste coberto de carmim.
entendes os ilimites em que vivíamos? eu não poderia permanecer.
entendes?

em que é que te transformaste?

estás a ver como é escandalosa essa transformação?
agora sou um monstro porque borro os lábios com batôn rubro e as lágrimas misturam-se com o rímel, rumando numa descida permanente até os seios estufados, palpitantes. estás a ver como é escandalosa essa transformação? agora sou um monstro?
e tu, que trazes esse carmim fétido?

olhas para mim.

olho-te obstinada através do espelho. o olhar sádico. insolente. doente. frio.
ausente.

eu não sou um monstro. vou mostrar-te o que faz um monstro.

em que é que te transformaste?

não me perguntes mais.

em que é que te transformaste?

olha para mim. avança-me vidas.
pareces uma puta.

olhei-te nos olhos e sorri com a boca exageradamente vermelha.
por um motivo vingativo e sádico qualquer, vindo do mais primitivo e genuíno do meu ser, tive um prazer orgâsmico em ouvir aquilo de ti. era isso que eu queria ser, António da minha vida. eu pretendia, perversa, matar-te. para que sofresses o que faz um monstro. para que experimentasses o que dói o carmim…


[In "Loucuras de Rubi"]


Imagem: gettyimages.com

segunda-feira, 5 de maio de 2008

TRECHOS DE RUBI... ;)

::
mais um pedacinho de "RUBI" - essa mulher até me cansa a mim, (risos). mas páro por aqui, senão perde a piada, se um dia eu resolver publicar ;)
espero que gostem!
::

(...)

fui embora assim. de repente.
porque quis cortar aquele fastio indecente, não pela raiz, mas pela altura dos ramos já. tinha sido melhor assim. se ficasse mais um segundo sequer ao pé de ti, odiar-te-ia para sempre. creio mesmo que já tinha começado a odiar-te e, por isso, parti. fugi de mim e só assim consegui ir embora. e fui tão fria, que até hoje, ainda, quase desfaleço de terror ao relembrar aquele gelo que me tomou a alma naquele dia.
convenci-me de que seria melhor assim, que precisávamos de espaço. ninguém poderia viver assim... e depois, havia o carmim...
sim, podíamos ter dito... mas não dissémos. podia ter dito algo mais que "adeus"... mas não disse. a crueldade. o mote.
podíamos ter sido felizes... mas nem sequer, depois, quis tentar. podíamos perder-nos, irreversívelmente. podíamos ter arriscado mais... mas não o fizemos. era já demasiado perigoso...
ficou por acontecer o melhor beijo...
ficou o abraço suspenso, ficou o sexo, o olhar. a loucura toda. ficou um odor de coração no fim, ficaram os olhos que transbordavam a saudade do tudo, do absolutamente tudo.
ficaram as gargalhadas agudas que escandalizavam os vizinhos do lado, ficou o gelado de caramelo com pedaços de amendoim...
ficou-nos...
por medo?... era ilógico o medo naquelas alturas já...
talvez um único caminho fosse demasiado pequeno para nós dois. pensei que não cruzasses mais a minha fronteira...
parti porque não suportei o carmim... e mesmo que, ao sair do nosso apartamento, tenha deixado uma parte de mim que nunca mais pude ser, não quis voltar para a ir buscar.
não percebeste mas deixa-me que te diga que não pensei que me doesse tanto dizer-te adeus, mesmo sabendo que já me tinha forçado a ir embora no dia anterior, por iniciativa do carmim que trouxeste contigo...
o carmim...
adeus.
dizes quem sabe um dia, Rubi...
não.
quase desatei a chorar a esfregar os olhos, como uma criança que se tinha magoado na cabeça... mas já tinha as malas arrumadas. o coração na rua...
sinto a falta... diabos! até quase dói ter que admitir isso. parece que estou, outra vez, a cometer um pecado muito grande. que ódio me fazes sentir. ódio deveras, ódio de te beijar até que se me estrassalhe algo por dentro e te largue a desabar de uma ribanceira cheia de espinhos e lascas dolorosas de madeira fina.
odeio-te num beijo.
o melhor beijo que não roubaste...

(...)

;)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

TRECHOS DE "RUBI"

aqui vai pessoal! mais um trecho de "RUBI".
a ver vamos no que isso tudo vai dar (a história e a minha mania de escrevinhar). até eu estou ansiosa, porque nem eu sei o final (da história e da minha mania de escrevinhar)... risos...
::


"(...)

tenho a consciência de que fui intolerável, perversa, lancinante… não que não merecesses, que fique isso bem claro. no entanto, conhecíamo-nos muito bem. demasiado até. e sempre tivemos a mania de sondar os impulsos íntimos e agudos de cada um, com a obsessão de um entomólogo psicopata. isso fazia de nós cúmplices.
certa vez – como nalgumas muitas –, tivemos uma discussão. fomos ambos cínicos um para o outro. uma guerra-fria. havia uma excessiva necessidade de ambos em tentar cilindrar o outro. eu, porque no íntimo, sabia que se não adoptasse uma atitude um tanto agressiva para contigo, dominar-me-ias e isso era (é) uma hipótese que nunca consentiria. tu, talvez, porque não querias que eu pensasse que te pudesse, alguma vez, dominar. mas nunca foi essa a minha intenção. oh, nunca almejei essa presunção. pelo menos, não conscientemente.
- sapo. tu és um sapo, antónio! – tinha-te gritado no fim. ficaste a olhar para mim perplexo.
diz-me, quando é que nos enveredamos para essa situação? qual foi o ponto focal que nos fez decidir, sem que nos déssemos conta, que teríamos que viver assim? foi o princípio do nosso descalabro. ou tinha sido antes? por essa altura já te tinha deixado ir?
essas questões sem resposta, martirizaram (-nos) durante um período suficientemente duro - até hoje, agora mesmo, me ganharam um novo estatuto. nunca tive brio para te perguntar. tu talvez não me respondesses. talvez porque tu também não mo saberias responder. poderias responder-me, agora? saberás, agora...? não me interessam brios já.
depois da discussão, tinhas ficado em silêncio. um silêncio espinhoso, duro, palpável. sentia-o como um açoite. queria defender-me, percebes? por isso a encrispação gradual do meu silêncio... sim, é verdade, o teu silêncio também tinha o seu efeito sobre mim.
perturbada e irritada, perguntei-te quando me vi a beira de um precipício emocional:
- o que é que se passa? podes dizer-me?
e, demasiado caprichosa, trunquei a pergunta com um tom arrogante e irritantemente calmo. tinha que disfarçar o destempero que me provocaste, era só isso.
tinha sido o suficiente para que, durante uma semana, os nossos diálogos fossem de uma enorme e propositada superficialidade. falamos sobre a política, o tempo... assuntos inofensivos... depois daí, quando os assuntos inofensivos esgotaram-se, passamos uma semana inteira sem nos falar. no fim da última, telefonaste-me a dizer qualquer coisa infinitamente importante sobre a política e outra que urgia uma resolução para ontem. conversas pretensamente importantes mas tão substanciais como um pudim de ameixa murcha.
a seguir ao "pudim", perguntaste-me:
- tudo bem contigo?
- tudo. obrigada.
- não nos temos falado. tenho estado bastante atarefado...
- também eu. – disse-te meio rude. era para te situar.
- desculpas...
silêncio.
desculpas porquê? somos ambos demasiado egoístas é so isso. estamos quites.
- entre nós não há espaço para isso.
tinhas entendido.
- ver-nos-emos um dia destes.
eu não soube se era uma pergunta ou uma afirmação. perguntar-te arranhava-me o prumo.
- quem sabe. – eu, a modos de enfado.
- bem... até um dia destes.
- até.

um dia destes.
nunca falavamos sobre as nossas desavenças. percebeste? passávamos por cima delas. reconciliávamo-nos porque um de nós resolvia pôr o orgulho de lado (como podia permitir o nosso temperamento) e dar o primeiro passo. na verdade, os assuntos centrais das nossas discussões muitas vezes perdiam o sentido perante a tensão prepotente e orgulhosa que ambos assumíamos. o assunto primordial das nossas brigas passava a ser a questão do brio.
depois de degladiarmo-nos naquele silêncio, fazíamos as pazes sem mais nem quê, como dois loucos. levava-te constantemente a um precipício e não te deixava cair. era a sensação que tinha(s). tu também fazías-me esse jogo... no principio tinha sido divertido. excitante. depois, perigoso e exigente. tudo ou nada. tinha-se tornado um vicio. era demasiado. era perigoso.
ouve, tenho que te dizer isso em jeito de declamação... se de vez em quando te parecia que te tratava com indiferença e que nas minhas palavras existiam algo de infame, tenta imaginar a enormidade da minha dor, tenta perceber que aquele padecimento não tinha palavras, que era a privação de ti/de mim que me instigava a continuar a falar-te daquela forma, penosamente fria, desalmadamente minha...
mas, confesso-te, eu nunca fui páreo para ti.

(...)"

::

mais uma passagem de "RUBI". estou a terminar o 10.º capítulo. mais uma história para os meus arquivos pessoais. no dia em que me encher de coragem suficiente, quem sabe não os darei a ler a alguns quantos.
ainda vou a tempo de dizer "ÓPTIMO 2008 PARA TODOS NÓS?!"

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

TRECHO DE "RUBI"

trecho de "RUBI". só para vos dar um cheirinho do que estou a escrever...
sejam carinhosos :)
"[...]

houveram muitos silêncios: os vitais – mortais, entenda-se – e os indispensáveis. as vezes, condenavas os meus silêncios sucessivos. até certo ponto, porque te deixavam sem norte. depois, porque irritavam-te visceralmente. confesso-te que, por vezes, os meus silêncios tinham esses intuitos, como te escrevi nas cartas anteriores. por outro lado, saiba que a maior parte deles era porque não encontrava palavras, simplesmente, para te falar. ademais, entende-me, o meu silêncio pedia-te que me dissesses a palavra. ficava em silêncio, a espera. sonhando com a palavra que suspirava sem fim, que vibrava dentro de mim sem a pronunciares verdadeiramente. no meu intuito, dava-te a oportunidade para que a dissesses. claro que não poderias adivinhar os meus intentos, mas, por todos os céus, era suposto ser uma prerrogativa tua! nunca percebeste que eu pensava assim?
tinhas dito que sim. inúmeras vezes. mas sabes? a tua certeza agitava-me. não era bem felicidade o que sentia. era agitação. era medo. pavor. sabias o que estavas a dizer? sim? tinhas dito que sim…
no entanto faltava qualquer coisa. faltava a simplicidade. era tudo demasiado. creio que havia uma força muito superior que nos abraçava com ternura, amor… tanto que nos sufocou... apesar da saturação de tudo, faltava algo.
amaste-me?
amaste-me. todavia, nesse amor que me disseste que me amaste, esperei pelo dia em que me dirias a palavra. esperava que ma dissesses. que ma dissesses verdadeiramente. com todas as palavras e nenhuma. com todos os pormenores e cabalmente. com todos os componentes e, na sua simplicidade subtil, queria que a gritasses mas que só o meu coração a pudesse ouvir.
que a dissesses com todo o sentimento.
apenas.
esperei, em vão, o dia impossível em que preencherias o oco e o vácuo frio que perscrutava os muros da palavra.
na euforia e no desespero do alívio temporal da dor, ter-te-ia então enterrado. talvez, para o caso de voltares atrás. entendes o que quero dizer-te? durante anos, quis apenas saber que te tinhas entregue com abandono. que te possuí. que aquele alvoroço continha-te verdadeiramente. que não estava a enlouquecer. que não fui uma tola.
por isso, também a minha intenção de te enterrar. tinhas que morrer dentro de mim. porque assim, talvez, ficássemos pacíficos...
esperei um longo tempo para que pudesses ir e eu, enfim, virar a página.
[...]"
está a ficar cada vez mais interessante. e eu? oh, eu estou a adorar!

segunda-feira, 16 de julho de 2007

RUBI



de lábios, capuz e coração.
primeira vez mulher, maçã, a menina.
vida, flor, inocência,
pequena cereja morango,
mulher, já.
colheita de uma flor-de-lua.
seria Lírio, o nome dela?
ou seria Orquídea? Inocência?… ou Luxúria?
clássica, fleuma, polvorosa…
contraste fulgurante
morna essência rubra,
sexo nomeado,
casta vagabunda, criança desobediente
perdida. miúda. bebé. ingénua.
ele quer-te muito. manda dizer-te.
braços cálidos, sem paraíso,
poema descrito em sentidos diversos,
delicada, com um mundo nas mãos que não existe.
lagriminha dócil, tua criança
na sua conduta misteriosa
de força frágil,
delírio ágil,
o nome dela. Rubi. do seu sonho. ninguém conhece.

[vivianne nascimento]


::
[e eis, aqui, a personagem mulher sob todas as suas formas, virtudes, insânias, alegrias, impetuosidades, inocências, sexualidade, criançisses, incoerências, ingenuidades, volúpias, dubiedades, puritanismos, promiscuidades, do meu livro de prosa introspectiva. apresento-vos "RUBI".]
::

foto (fonte): gettyimages.com

segunda-feira, 18 de junho de 2007

PEQUENO



nos arcos do silêncio sorvendo segundos,
sou menino reguila
criança encantada, esposo devasso
no palácio de um reino sem dona,
cativo na altivez de uma rainha sem trono
onde deixou o coração selado.
ternura tímida
nos braços de um pequeno gentil
que abraça-te o desdém como quem acolhe uma isca fugitiva,
uma vida arredia,
uma dádiva predilecta.
sentimentos mundanos, anjo terno…
doses originais numa palavra encantada,
uma promessa, uma sentença.
e, de espírito entregue,
numa vénia de suprema nobreza,
perguntou-te, agora o menino: “Secas o mar comigo?”
silêncios demorados de uma pequena infame.

[vivianne nascimento]

::

na pele de um "pequeno gentil"

::

foto (fonte): gettyimages.com

segunda-feira, 21 de maio de 2007

MALÍCIA INOCÊNCIA



vá, morre devagarinho
neste beijo que te dou, crioulinho;
desfalece instantaneamente para alimentar-me o capricho,
a ilusão inteira de te pensar meu.

meu.

seja meu aqui,
nos braçinhos delicados de uma ninha de Mindelo
deliciada de maresia e lua cheia,
de corpinho bem feitinha, mimadinha,
tomada de meiguice, tua namoradinha.

morre devagarinho nos meus seios mulatinhos,
entrega-te nos meus ardis de sereia morabeza
derrete-te nos meus olhos de roubá mund
e deixa-me iludir de que é por mim, crioulinha irresistível,
que morres de amores eternos incondicionais.

meu.

que morres, morres, crioulinho,
que morres devagarinho,
perdoando meus pecadinhos
devagarinho...
porque são mimadinhos
de amor, devagarinho...



[vivianne nascimento]

::
outro dos meus momentos divinos...
::

segunda-feira, 7 de maio de 2007

NAVIOS


::
encontrar os caminhos perdidos,
sem rumo, nem direcção.
vão não sei para onde,
nem como,
nem quando hão-de partir ou chegar…
caminham… braços contrapartidos,
abraçam caminhos estreitos e bocas líquidas…
entumecem corações quentes, mornos, frios… ou vice-versa…
beijos roubados que não pertencem,
cândida flor, pedra doce,
amores sem donos, sem rei, nem lei…
dorso do mundo, paraíso de Baco,
encontro de sensibilidades que trepam meigos pelos corações apaixonados,
navios alienados a deriva inocência,
porto seguro de um ilhéu
descansam o leme...
... antes de se perderem novamente...
não sei onde,
nem como,
nem quando hão-de chegar e partir…
sem direcção…
pedaços de madeira a boiar numa imensa tina azul...

[vivianne nascimento]


sem data, nem hora.
nenhures.

::
um poema meu, numa das minhas circunstâncias divinas
::

foto: Marília Campos

segunda-feira, 26 de março de 2007

ARREBATAMENTO

::

na maioria das vezes, quando escrevo sinto-me cansada. um cansaço aprazível. talvez "cansaço" não fosse a expressão correcta. fúria. impetuosidade. o coração bate com força. sinto a mente trepar. o sangue sobe. as mãos gesticulam uma dança como se, por meio dos movimentos, pudesse encontrar a palavra destinada.

como se estivesse a correr em direcção a um objectivo inédito e de suma beleza. e que está lá, a minha espera. o desafio é conseguir lá chegar com sucesso merecido e absoluto. é só meu. porque, de forma absoluta, sou eu a criadora. lindo! imaginam esse sentimento? compartilham-no?

e que felicidade quando chego lá, no fim! euforia. plenitude. realização. completa. nunca conseguirei descrever, vez alguma, essa sensação de terminar um poema, uma prosa, ou um texto outro qualquer... deslumbramento? êxtase? trepa-me meigo pelo coração apaixonado...

depois volto ao início. acaricio a obra. é minha obra. moldo-lhe as arestas por entre os meus dedos e o dédalo dos meus sentimentos. beijo-lhe as estrofes. depois, muito intimamente, cada verso. cada palavra. cada letra. chego a tocar-lhe a alma… a minha própria. a ínfima centelha. somos uma unidade. para que fique minha obra, definitivamente. para que me pertença… não por posse simplesmente - também -, mas por felicidade, por conceber algo com um prazer indescritível. ali deixo o meu coração timbrado.
porque - e digo-o com toda a euforia e felicidade -, minhas senhoras e meus senhores, há coisas que nos estão destinadas…

::
boa tarde e bom trabalho.
::

sexta-feira, 2 de março de 2007

PENSEI ESCREVER...

pensei escrever. penso. já escrevo.
e quando digo “vou escrever”, simplesmente, vou escrever. não vejam estrapolismos ou algum outro truque que caracteriza o estado de escrita, ou o estado de “escrevência” porque não há nada disso. nem ponham nisso, tão pouco, literatura exacerbada ou palavras características, nem adequações, nem o protocolo costumeiro e vincado que se espera dos escritores.
escrever não é uma obrigação.
o escritor não é uma conveniência. muitas vezes é até inconveniente, inoportuno, incómodo e nem por isso perde perante o tal protocolo e companhia limitada. não quero ser demasiado sarcástica… deixem lá...

geralmente diz-se que os escritores mais polémicos são os mais lidos e os considerados melhores. pessoalmente, prefiro-os. não me perguntem porquê. é demasiado humano... é demasiado simples - ou talvez não - explicar. a audácia é algo intrigante e delicioso e, nessa sociedade em que estamos constantemente fartos de conformismo, a verdade, a radicalidade é um néctar precioso. sexo libidinoso. indecente. indispensável.

não sei se sou boa no que escrevo. não sou escritora. melhor, não sei se tenho esse rótulo. escrevo simplesmente, porque preciso. sempre foi uma forma de falar com um amigo impessoal, um amante com quem me encontro às escondidas. encontros rápidos mas intensos no escuro de um beco. um depositário do meu desbravamento, da minha alegria desmedida, do meu espanto, da minha indignação, das minhas contemplações e angústias. acho que, por vezes, não gosto que ele me veja as feições porque parece-me um espelho, onde as verdades me tocam como uma bola de pingue-pongue, depois de baterem na parede onde as lancei. e sei que me atingirão com a força de um chicote. isso. quando me vejo nesse espelho, estou lá. nua.

para mim, a escrita sempre foi um sexo atraente a quem não vejo o rosto e não me interessa ver. uso as palavras. não de uma forma arrogante e pretensiosa, mas porque preciso delas. o sentimento incómodo é uma consequência. insuportável, mas o preço a pagar. a verdade materializada brutaliza-me, despe-me, põe-me em carne viva. sou puritana e tenho réstias de hipocrisia.
percebem já o que quero dizer?
no entanto, nela não se vê conselhos, nem reprovações, nem censuras, nem rejeição ou recusa. por isso destravo-me. moderadamente. nunca fui muito alardista. pelo menos, não excessivamente. nunca muito comedida.
as vezes assusto-me.

nunca publiquei nada (assim, em obras escritas. livros, etc.). ainda penso o sentido de publicar. para além de muita coisa, tenho que pensar esse conceito, as suas finalidades e as suas consequências. não que eu não tenha confiança suficiente nos meus sentimentos – sim, porque o que escrevo são sentimentos falsos ou verdadeiros – ou talvez sim, mas numa outra perspectiva “o poeta é bom fingidor...”. ou talvez sim, que rejeitem os sentimentos que dentro de mim manifestam-se de maneira gritante… (meu Deus, manifestam-se, como um estrondo, por vezes…) mas reparem, não só.

o que me assusta é olharem-me nua. o facto de que as pessoas possam ter acesso a sentimentos íntimos perturba-me. o exposição mortifica-me. compreenderão? entenderão os motivos? conseguirão entranhar totalmente? pergunto-me. pergunto. percebem o que quero dizer?

li algures, certa vez, uma metáfora que diz que quando publicamos algo, estamos a lançar cordeiros aos lobos. tenho a crença, talvez um bocado derrotista – contradição, porque costumo ser desmedidamente optimista – de que quando conservamos os sentimentos dentro de nós, estão mais protegidos... nós estamos mais protegidos...
apesar de tudo, de publicar ou não, apesar das coisas fora da minha redoma, apesar do protocolo, continuarei a escrever. não pelo motivo único e exclusivamente de publicar, mas porque preciso desesperadamente deste amante, desta saída fortuita.