segunda-feira, 19 de outubro de 2009

TANGO



Pequeno, vou falar-te de uma coisa que me causou remorsos e que esqueci. só porque sim. deve querer dizer que vai ser curto...

dance o meu tango, pequeno,
aquece-me a volúpia desenfreada,
que é por ti que palpita a doçura da Fénix
seu amor, sua loucura, seu lamento, sua morte até.

dance o meu tango, pequeno.

clausura de amor-eterno, ofereço-te,
neste enlace de samambaia fresca
pequena loucura de mulher que renasce.

dance,
que este amor é só hoje eterno.
amanha será despedida.

o meu tango, pequeno, é o meu sinal,
minha e tua faca de dois gumes.

pequeno de coração ligeiro,
essa armadilha é o que te ofereço.

e adeus. que eu morro num amanhã mais tarde.
não chores. nem me sigas. é ardil...

dance o meu tango. com o coraçaozinho em pedra, que é só um tango.


[THE TANGO, Poema de Vivianne]



e dizias-me tu: gosto de ti.
e eu a não querer aceitar esse amor.
dizias-me tu que querias casar comigo.
e eu a rir e a dizer-te que nos dias de hoje, já não se casa, já não se lembra disso.
eras tu a dizeres-me que deste por ti a amar-me.
e era eu a rir e a não saber o que fazer ao teu sentimento.
eras tu com voz doce a enrolar os meus cabelos nos teus dedos como só uma criança faria.
e era eu a ficar sem jeito… ou a não saber o que fazer ao teu carinho.
e era a tua mão na minha
e era eu a dizer-te que não era bem assim, a dizer-te que não, que não fosses por aí.
e eras tu, a esmiuçares as palavras para que eu pudesse ver a vida pelos teus olhos.
tu, homem crente. que acreditaste por nós dois. que falavas dos teus sonhos sem timidez. que colocavas nas palavras tanta fé, tanta convicção, que até me sentia a filha do Diabo.
mas disse-te que não.
e mantiveste-te aí.
- que faço contigo, Rubi?
- abandona-me, pequeno.
mas permaneceste a falar-me em conversas de madrugadas, do que sentias, do que pensavas...
e eras tu a roubar o meu beijo.
e era eu a dizer-te outra vez que não, porque em breve já não estaria aí.
mas permaneceste.

… em jeito de acordo, três semanas. como se fossem as últimas. e eram…
tínhamos os teus sonhos, um pouco dos meus e as nossas asas: tuas sonhadoras, minhas, fugitivas.
e tive que ir embora.
fim do acordo.

só queria que seguisses a tua vida, que não esperasses por mim. não te quero como destroço de nós.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

MAIS RUBI... Um Encontro... Queres um Martini?



(...)
- parece que agora temo-nos visto muito… – ele disse entregando-lhe um Martini.
Rubi sorriu com frialdade.
- parece, não é?
havia um espelho naquele lado que dava a ilusão de que se podia ir mais além, que a biblioteca era ainda maior. ao fundo dava uma sensação de infinito. era fantástico e ao mesmo tempo angustiante. hipnotizante. dava medo…
- vejo que nunca perdes o toque de mestre. – Rubi, com fingida indiferença, folhou um livro sobre uma mesa alta, de forma quadrada. – sempre te deste bem a criar ilusões.
ele fez um sorriso cínico com prazer.
- faço o que posso.
- eu sei. – fitaram-se trocando significados e depois, Rubi sorriu com desprezo. – não sei porque é que te incomodas tanto, António. tu, sozinho, já és suficientemente ilusório. – olhava-o directamente para os olhos. – bastante, até dizer chega, na verdade...
- isso é um elogio?
- é um facto. – respondeu categórica.
- nunca me esquecerei do quanto a tua espada é letal... mas lembro-me também de que tinhas um lado sensível.
- ainda sou assim. – Rubi sorriu. – acredito que devo tentar pensar que as pessoas são basicamente decentes.
- sim? – ele riu-se em tom de deboche. – e como é que suportas a desilusão?
um autêntico hipócrita. Rubi teve ímpetos de desatar a chorar. apertou o livro e manteve o prumo, reprimindo a estranha onda de amargura. António era um ser humano. deveria saber que certas feridas não se curam totalmente. uma dor profunda não diminui e a pena permanece enterrada num lugar onde não pode ser alcançada nem por palavras nem por actos. quase inofensiva, corroendo minúsculos pedaços, simplesmente permanece.
- bem. pratiquei bastante. – respondeu enfadada.
recordou uma vez, entre uma conversa e outra, ele lhe ter dito que, quando perdemos o pé, quando já nada nos faz sentido, quando a nossa volta tudo se desfaz, temos que traçar um objectivo. um, daqueles quase impossíveis para nos preencher a mente e não pensarmos em coisas que nunca nos levam a lugar algum. com o tempo Rubi aprendeu que o mundo tem outros sentidos, que a vida quer dizer coisas que, num momento presente não sabemos. com o tempo aprendeu isso. e compreendia tudo isso. tinha ficado, no entanto, aquele susto que a corroía, a desnorteava e confundia. tinha sido um cume. curto. pontiagudo. breve.
naquele momento, ali, naquela biblioteca, parecia uma outra vida. onde tinha ido parar tudo? aquele sentimento quase insano? quase? tinham atingido a raia de tudo e, ébrios, descambaram para um precipício egoisticamente.
sorriu para despistar o olhar perscrutador.
- não sabia que gostavas de Paulo Coelho. – disse com uma férrea determinação em não se deixar abater.
- não sabes muita coisa.
- é um escritor alquimista e tu não és dado a fantasias...
- gosto de ter ainda algumas... a minha maneira – ele disse sem expressão.
Rubi olhou-o nos olhos. pareceu-lhe vê-lo sorrir.
- sim? e como suportas a desilusão? – inquiriu cinicamente, imitando-o.
- bastante bem. como tu própria disseste, sempre me dei bem em iludir as pessoas. quem sabe, não é?
ele tinha-se tornado num homem cruel. dadas as circunstâncias, era normal ter-se dado aquela transformação nele. por um bom tempo ela também tinha sido cruel. tinha desistido depois. muito depois. tinha que sobreviver. no entanto, agora, aquela resposta magoara-a e a sua boca curvou-se num sorriso de troça. era uma reacção estúpida, talvez uma compensação, uma forma de tentar equilibrar a tristeza. não encontrou palavras para rebater e apenas dedicou-lhe um rápido olhar.
- penso que o mais sensato é iludirmo-nos com aquilo que podemos. os sonhos não têm consistência, Rubi, sempre te disse isso.
- sim. – levantou os olhos para ele, sustentando um doloroso sorriso. – já me tinha apercebido disso. pena que não te dei ouvidos como devia… – interrompeu-se.
- ainda te magoa? – ele perguntou depois de um silêncio reverenciador.
Rubi soltou uma curta gargalhada.
- imagina. durante o período que estivemos juntos, tive tempo suficiente para me adaptar.
- ainda te magoa. – ele afirmou
- pensei fazer-te a mesma pergunta.
- não é uma pergunta.
Rubi achava dispensável digladiarem-se daquela maneira. tinham havido feridas demasiadas. bastavam. sentiu as lágrimas arderem-lhe nos olhos. não havia necessidade de serem tão cinicamente rudes. abaixou os olhos e deu-lhe as costas, com o pretexto de colocar o livro no lugar e, sob a desculpa de se ter interessado por mais alguns, deixou-se ficar um pouco. sentiu quando ele se afastou.
- queres outro Martini?
- não, obrigada. – virou-se e apanhou as chaves do carro que tinha deixado sobre a mesa. – tenho que ir embora. – disse. – o meu marido espera-me.
e saiu. quase a correr.
(...)


Fonte Fotografia: gettyimages.com