segunda-feira, 29 de outubro de 2007

TRECHO DE "RUBI"

trecho de "RUBI". só para vos dar um cheirinho do que estou a escrever...
sejam carinhosos :)
"[...]

houveram muitos silêncios: os vitais – mortais, entenda-se – e os indispensáveis. as vezes, condenavas os meus silêncios sucessivos. até certo ponto, porque te deixavam sem norte. depois, porque irritavam-te visceralmente. confesso-te que, por vezes, os meus silêncios tinham esses intuitos, como te escrevi nas cartas anteriores. por outro lado, saiba que a maior parte deles era porque não encontrava palavras, simplesmente, para te falar. ademais, entende-me, o meu silêncio pedia-te que me dissesses a palavra. ficava em silêncio, a espera. sonhando com a palavra que suspirava sem fim, que vibrava dentro de mim sem a pronunciares verdadeiramente. no meu intuito, dava-te a oportunidade para que a dissesses. claro que não poderias adivinhar os meus intentos, mas, por todos os céus, era suposto ser uma prerrogativa tua! nunca percebeste que eu pensava assim?
tinhas dito que sim. inúmeras vezes. mas sabes? a tua certeza agitava-me. não era bem felicidade o que sentia. era agitação. era medo. pavor. sabias o que estavas a dizer? sim? tinhas dito que sim…
no entanto faltava qualquer coisa. faltava a simplicidade. era tudo demasiado. creio que havia uma força muito superior que nos abraçava com ternura, amor… tanto que nos sufocou... apesar da saturação de tudo, faltava algo.
amaste-me?
amaste-me. todavia, nesse amor que me disseste que me amaste, esperei pelo dia em que me dirias a palavra. esperava que ma dissesses. que ma dissesses verdadeiramente. com todas as palavras e nenhuma. com todos os pormenores e cabalmente. com todos os componentes e, na sua simplicidade subtil, queria que a gritasses mas que só o meu coração a pudesse ouvir.
que a dissesses com todo o sentimento.
apenas.
esperei, em vão, o dia impossível em que preencherias o oco e o vácuo frio que perscrutava os muros da palavra.
na euforia e no desespero do alívio temporal da dor, ter-te-ia então enterrado. talvez, para o caso de voltares atrás. entendes o que quero dizer-te? durante anos, quis apenas saber que te tinhas entregue com abandono. que te possuí. que aquele alvoroço continha-te verdadeiramente. que não estava a enlouquecer. que não fui uma tola.
por isso, também a minha intenção de te enterrar. tinhas que morrer dentro de mim. porque assim, talvez, ficássemos pacíficos...
esperei um longo tempo para que pudesses ir e eu, enfim, virar a página.
[...]"
está a ficar cada vez mais interessante. e eu? oh, eu estou a adorar!

segunda-feira, 16 de julho de 2007

RUBI



de lábios, capuz e coração.
primeira vez mulher, maçã, a menina.
vida, flor, inocência,
pequena cereja morango,
mulher, já.
colheita de uma flor-de-lua.
seria Lírio, o nome dela?
ou seria Orquídea? Inocência?… ou Luxúria?
clássica, fleuma, polvorosa…
contraste fulgurante
morna essência rubra,
sexo nomeado,
casta vagabunda, criança desobediente
perdida. miúda. bebé. ingénua.
ele quer-te muito. manda dizer-te.
braços cálidos, sem paraíso,
poema descrito em sentidos diversos,
delicada, com um mundo nas mãos que não existe.
lagriminha dócil, tua criança
na sua conduta misteriosa
de força frágil,
delírio ágil,
o nome dela. Rubi. do seu sonho. ninguém conhece.

[vivianne nascimento]


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[e eis, aqui, a personagem mulher sob todas as suas formas, virtudes, insânias, alegrias, impetuosidades, inocências, sexualidade, criançisses, incoerências, ingenuidades, volúpias, dubiedades, puritanismos, promiscuidades, do meu livro de prosa introspectiva. apresento-vos "RUBI".]
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foto (fonte): gettyimages.com

segunda-feira, 18 de junho de 2007

PEQUENO



nos arcos do silêncio sorvendo segundos,
sou menino reguila
criança encantada, esposo devasso
no palácio de um reino sem dona,
cativo na altivez de uma rainha sem trono
onde deixou o coração selado.
ternura tímida
nos braços de um pequeno gentil
que abraça-te o desdém como quem acolhe uma isca fugitiva,
uma vida arredia,
uma dádiva predilecta.
sentimentos mundanos, anjo terno…
doses originais numa palavra encantada,
uma promessa, uma sentença.
e, de espírito entregue,
numa vénia de suprema nobreza,
perguntou-te, agora o menino: “Secas o mar comigo?”
silêncios demorados de uma pequena infame.

[vivianne nascimento]

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na pele de um "pequeno gentil"

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foto (fonte): gettyimages.com

segunda-feira, 21 de maio de 2007

MALÍCIA INOCÊNCIA



vá, morre devagarinho
neste beijo que te dou, crioulinho;
desfalece instantaneamente para alimentar-me o capricho,
a ilusão inteira de te pensar meu.

meu.

seja meu aqui,
nos braçinhos delicados de uma ninha de Mindelo
deliciada de maresia e lua cheia,
de corpinho bem feitinha, mimadinha,
tomada de meiguice, tua namoradinha.

morre devagarinho nos meus seios mulatinhos,
entrega-te nos meus ardis de sereia morabeza
derrete-te nos meus olhos de roubá mund
e deixa-me iludir de que é por mim, crioulinha irresistível,
que morres de amores eternos incondicionais.

meu.

que morres, morres, crioulinho,
que morres devagarinho,
perdoando meus pecadinhos
devagarinho...
porque são mimadinhos
de amor, devagarinho...



[vivianne nascimento]

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outro dos meus momentos divinos...
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segunda-feira, 7 de maio de 2007

NAVIOS


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encontrar os caminhos perdidos,
sem rumo, nem direcção.
vão não sei para onde,
nem como,
nem quando hão-de partir ou chegar…
caminham… braços contrapartidos,
abraçam caminhos estreitos e bocas líquidas…
entumecem corações quentes, mornos, frios… ou vice-versa…
beijos roubados que não pertencem,
cândida flor, pedra doce,
amores sem donos, sem rei, nem lei…
dorso do mundo, paraíso de Baco,
encontro de sensibilidades que trepam meigos pelos corações apaixonados,
navios alienados a deriva inocência,
porto seguro de um ilhéu
descansam o leme...
... antes de se perderem novamente...
não sei onde,
nem como,
nem quando hão-de chegar e partir…
sem direcção…
pedaços de madeira a boiar numa imensa tina azul...

[vivianne nascimento]


sem data, nem hora.
nenhures.

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um poema meu, numa das minhas circunstâncias divinas
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foto: Marília Campos

segunda-feira, 26 de março de 2007

ARREBATAMENTO

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na maioria das vezes, quando escrevo sinto-me cansada. um cansaço aprazível. talvez "cansaço" não fosse a expressão correcta. fúria. impetuosidade. o coração bate com força. sinto a mente trepar. o sangue sobe. as mãos gesticulam uma dança como se, por meio dos movimentos, pudesse encontrar a palavra destinada.

como se estivesse a correr em direcção a um objectivo inédito e de suma beleza. e que está lá, a minha espera. o desafio é conseguir lá chegar com sucesso merecido e absoluto. é só meu. porque, de forma absoluta, sou eu a criadora. lindo! imaginam esse sentimento? compartilham-no?

e que felicidade quando chego lá, no fim! euforia. plenitude. realização. completa. nunca conseguirei descrever, vez alguma, essa sensação de terminar um poema, uma prosa, ou um texto outro qualquer... deslumbramento? êxtase? trepa-me meigo pelo coração apaixonado...

depois volto ao início. acaricio a obra. é minha obra. moldo-lhe as arestas por entre os meus dedos e o dédalo dos meus sentimentos. beijo-lhe as estrofes. depois, muito intimamente, cada verso. cada palavra. cada letra. chego a tocar-lhe a alma… a minha própria. a ínfima centelha. somos uma unidade. para que fique minha obra, definitivamente. para que me pertença… não por posse simplesmente - também -, mas por felicidade, por conceber algo com um prazer indescritível. ali deixo o meu coração timbrado.
porque - e digo-o com toda a euforia e felicidade -, minhas senhoras e meus senhores, há coisas que nos estão destinadas…

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boa tarde e bom trabalho.
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sexta-feira, 2 de março de 2007

PENSEI ESCREVER...

pensei escrever. penso. já escrevo.
e quando digo “vou escrever”, simplesmente, vou escrever. não vejam estrapolismos ou algum outro truque que caracteriza o estado de escrita, ou o estado de “escrevência” porque não há nada disso. nem ponham nisso, tão pouco, literatura exacerbada ou palavras características, nem adequações, nem o protocolo costumeiro e vincado que se espera dos escritores.
escrever não é uma obrigação.
o escritor não é uma conveniência. muitas vezes é até inconveniente, inoportuno, incómodo e nem por isso perde perante o tal protocolo e companhia limitada. não quero ser demasiado sarcástica… deixem lá...

geralmente diz-se que os escritores mais polémicos são os mais lidos e os considerados melhores. pessoalmente, prefiro-os. não me perguntem porquê. é demasiado humano... é demasiado simples - ou talvez não - explicar. a audácia é algo intrigante e delicioso e, nessa sociedade em que estamos constantemente fartos de conformismo, a verdade, a radicalidade é um néctar precioso. sexo libidinoso. indecente. indispensável.

não sei se sou boa no que escrevo. não sou escritora. melhor, não sei se tenho esse rótulo. escrevo simplesmente, porque preciso. sempre foi uma forma de falar com um amigo impessoal, um amante com quem me encontro às escondidas. encontros rápidos mas intensos no escuro de um beco. um depositário do meu desbravamento, da minha alegria desmedida, do meu espanto, da minha indignação, das minhas contemplações e angústias. acho que, por vezes, não gosto que ele me veja as feições porque parece-me um espelho, onde as verdades me tocam como uma bola de pingue-pongue, depois de baterem na parede onde as lancei. e sei que me atingirão com a força de um chicote. isso. quando me vejo nesse espelho, estou lá. nua.

para mim, a escrita sempre foi um sexo atraente a quem não vejo o rosto e não me interessa ver. uso as palavras. não de uma forma arrogante e pretensiosa, mas porque preciso delas. o sentimento incómodo é uma consequência. insuportável, mas o preço a pagar. a verdade materializada brutaliza-me, despe-me, põe-me em carne viva. sou puritana e tenho réstias de hipocrisia.
percebem já o que quero dizer?
no entanto, nela não se vê conselhos, nem reprovações, nem censuras, nem rejeição ou recusa. por isso destravo-me. moderadamente. nunca fui muito alardista. pelo menos, não excessivamente. nunca muito comedida.
as vezes assusto-me.

nunca publiquei nada (assim, em obras escritas. livros, etc.). ainda penso o sentido de publicar. para além de muita coisa, tenho que pensar esse conceito, as suas finalidades e as suas consequências. não que eu não tenha confiança suficiente nos meus sentimentos – sim, porque o que escrevo são sentimentos falsos ou verdadeiros – ou talvez sim, mas numa outra perspectiva “o poeta é bom fingidor...”. ou talvez sim, que rejeitem os sentimentos que dentro de mim manifestam-se de maneira gritante… (meu Deus, manifestam-se, como um estrondo, por vezes…) mas reparem, não só.

o que me assusta é olharem-me nua. o facto de que as pessoas possam ter acesso a sentimentos íntimos perturba-me. o exposição mortifica-me. compreenderão? entenderão os motivos? conseguirão entranhar totalmente? pergunto-me. pergunto. percebem o que quero dizer?

li algures, certa vez, uma metáfora que diz que quando publicamos algo, estamos a lançar cordeiros aos lobos. tenho a crença, talvez um bocado derrotista – contradição, porque costumo ser desmedidamente optimista – de que quando conservamos os sentimentos dentro de nós, estão mais protegidos... nós estamos mais protegidos...
apesar de tudo, de publicar ou não, apesar das coisas fora da minha redoma, apesar do protocolo, continuarei a escrever. não pelo motivo único e exclusivamente de publicar, mas porque preciso desesperadamente deste amante, desta saída fortuita.